Rastro da Vingança [Kieran]

Há meses seguia todos os rumores e dicas que pudessem levá-lo ao maldito Dente-de-Jaguar. Ouvira boatos recentes que havia gente sendo morta de formas horrendas : queimadas vivas, carbonizadas, casas queimadas por inteiro até que nada restasse em pé. Reconhecendo tal método repugnante de matar, Kevlanan foi guiado até o Reino de Siul. Encontrava-se no momento na cidade de Rahkburg, centro comercial de médio porte, com uma mistura racial pequena, mas a tolerância era alta. Haviam poucos jubans, tailoxes e elfos ali e halflings mesmo, Kevlanan só viu um punhado, mas eles não pareciam enfrentar problemas com preconceito ou diferenças sociais muito grandes.

Perguntou aqui, ouviu ali e logo foi guiado até o capitão da guarda da cidade. Era um homem muito respeitado, tanto dentro da própria guarda, quanto fora da mesma. Os soldados o admiravam, o povo o amava. Isirtonn era seu nome. O halfling supreendeu-se com a facilidade que tivera em encontrar-se com o homem: chegara à central da guarda de Rahkburg e perguntara pelo capitão. Guiaram-no pelo interior do lugar sem mais perguntas e introduziram-no numa sala razoavelmente grande. Logo foi recepcionado por um homem alto e forte, que vestia uma pesada armadura de algo que parecia ser prata, mas movia-se na mesma como se não fosse nada.

- Bom dia. - Diss o homem, com uma mesura. - Sou Isirtonn Fertis, capitão da guarda de Rahkburg. O senhor queria falar comigo, não? Estou ocupado, mas uma guarda que não tem tempo para o povo é uma guarda que não merece o nome. Sem pressa, diga-me, oque queria tratar?

- Perdoe-me fazê-lo perder seu tempo, mestre capitão, mas meu assunto é urgente - o pequeno retribuiu a mesura educadamente - Há meses venho seguindo o rastro, por assim dizer, de um assassino... - Uma pausa. Era visível que ainda não havia absorvido os acontecimentos de maneira plena - Um assassino que não teve piedade de 7 halflings do reino de onde venho, incluindo o príncipe-herdeiro... e o meu irmão - terminou, quase num sussurro suas palavras.

"Que os deuses os tenham", pensou ele, antes de continuar:

- Dente-de-Jaguar é o seu nome, e essa é a marca que ele me deixou - dizendo isso, mostrou-lhe a mão esquerda, com a cicatriz que carregava desde o triste dia. Não estava em carne viva mais, porém era uma marca avermelhada cuja a visão fazia a dor chegar a mão do observador, e causava dores ainda mais incomodas ao seu portador.

Ao ver a marca, o capitão não pode conter a expressão que veio ao seu rosto, tanto de incômodo, quanto de supresa.

- Entendo. Dente-de-Jaguar, não? Não me lembro de ter ouvido este nome antes, mas com certeza reconheço estas marcas. Vi algumas pessoas com marcas semelhantes, vítimas de um incêndio na cidade, alguns dias atrás. - Ele pareceu sério, tentava lembrar mais detalhes. - Foi terrível, um orfanato foi queimado. Acho que cerca de dez crianças morreram, além de duas empregadas do lugar. O dono do lugar e sua filha sobreviveram, com marcas horrendas, semelhantes às suas. Posso indicar-lhe onde pode encontrá-los, se quiser. Eles podem saber mais sobre o culpado por trás deste crime. Também gostaria de saber quem foi, merece uma lição. Pelo bem de todos, espero que tenha sucesso em sua caça, senhor. Deseja mais alguma coisa?

-Seria grato ao senhor, mestre capitão, se me indicasse o local onde posso encontrar tais sobreviventes. - disse-lhe o halfling enquanto fazia um gesto de agradecimento - E também se me indicasse um local para pernoitar, enquanto eu permanecer nessa cidade. De preferência discreto e que não me cause muitos problemas. Não são todos os lugares que tratam bem os pequenos do meu povo.

Enquanto falava, tentava esboçar um sorriso amigável, para amenizar a situação.

- Não se preocupe, nesta cidade não toleramos coisas como discriminação racial. Não contra raças pacíficas, claro. - Ele disse, devolvendo o sorriso. - Neste mesmo posto da guarda nós temos um grande salão comunal que funciona como albergue. É aberto e gratuito, o direito à uma boa noite de sono é de todos. Caso queira mais conforto, se tiver dinheiro para gastar, sempre é uma opção dormir numa estalagem, há várias na cidade.

Ele pegou um papael e, apoiando-se na mesa à sua frente, rabiscou alguma coisa. Entregou uma espécie de mapa, muito bem feito, na verdade, visto que fora desenhado com rapidez incrível, que representava a cidade. Um canto da mesma estava circulado.

- É ali que pode encontrar os sobreviventes do incidente. O senhor Paul Millow e sua filha Janet. Eles são boa gente, tenho certeza que poderão te ajudar.

Kevlanan se despede fazendo uma mesura e murmurando um "muito obrigado" antes de se retirar. Já na rua, ele segue em direção ao endereço indicado pelo capitão. Chegando ao local ele procura em volta da edificação alguma pista ou rastro que pudesse dar uma nova indicação em sua investigação.

Terminada a busca, ele bate a porta do local e aguarda ser atendido.

[vou colocar a rolagem em outro post pra não poluir os diálogos e o role-playing]

Ao procurar, nada encontra. A pequena casa era um pouco afastada de outras construções, mas seus arredores eram limpos e bem cuidado: havia ali um belo jardim, cheio das mais belas flores. Fora isso, não notou nada que pudesse ajudá-lo em sua busca atual.

Bateu na porta. Ouviu passos vindo do interior da casa. Logo, a porta foi aberta por uma pessoa encapuzada.

- Boa tarde. - Era uma voz feminina. - Oque deseja, senhor?

-Boa tarde, perdoe-me incomodar, mas procuro mestre Paul Millow ou sua filha. Tenho um assunto importante para tratar com eles, e o capitão Isirtonn foi quem me deu esse endereço. - disse Kevlanan

A jovem, abaixou o capuz, revelando um rosto gentil e belo, mas marcado: cicatrizes de queimadura graves manchavam completamente a metade esquerda da face dela, maculando a leveza dos traços que compunham as feições nada menos que angelicais da moça.

- Eu sou a filha de Paul Millow. Entre, por favor. - ela disse, abrindo mais a porta e convidando Kevlanan a adentrar a moradia. - Chamarei meu pai, ele estava trabalhando.

-Obrigado! - disse o arqueiro numa voz esganiçada.

A visão da face da garota mexeu com o íntimo do halfling. Incomodava-o e ao mesmo tempo consolava-o o fato de que não havia tido sofrimento sozinho, porém esse pensamento logo partiu, dando lugar a mais uma dose de vingança.

Então ele entrou e aguardou pacientemente a vinda do homem.

[Tinha escrito um post que, na minha opinião, tinha ficado ótimo, mas o PC delogou de repente e acabei perdendo tudo T.T Não sei se esse vai ficar no nível do outro, mas paciência, por favor.]

O interior da casa era aconchegante, isso senão reconfortante. A construção era antiga, mas os móveis recentes de madeira nova, clarinha, clarinha, contrastavam com as tábuas de madeira velha do assoalho, escurecidas e carcomidas pelo tempo.

- Sente-se, por favor. - Disse a garota, indicando um grande poltrona de feltro, que formava um conjunto com outras três, todas voltadas a um centro comum. - Chamarei meu pai.

Com isso, ela se retirou aos fundos da casa. Enquanto esperava, Kevlanan não pôde não notar as dúzias de retratos pintados que povoavam aquela sala e muito provavelmente o resto da casa também. Todos eram assinados pela mesma pessoa, embora não conseguisse discernir o nome com precisão, e mostravam crianças das mais variadas feições, expressões e até raças.

Logo, ela regressou, trazendo consigo seu pai, um humano obviamente mais vivido.

- Bom dia, senhor. Não é todo dia que recebemos visitas. sinta-se à vontade. - ele disse, sorrindo e sentando-se na poltrona diretamente oposta à de Kevlanan.

- Prepararei um chá para nós. - disse a jovem, retirando-se mais uma vez aos fundos da casa.

Kevlanan retribuiu o sorriso, antes de começar a falar:

-Bom dia senhor, sou grato por me receber em sua residência. Antes de discutirmos os motivos que me trazem aqui, gostaria de perguntar uma coisa. Qual o nome do artista que pintou essas obras? - ele então apontou para os quadros - São belíssimas, embora esta a opinião de um simples soldado.

- Paul Millow pintou estes quadros. Estou feliz que tenha gostado deles. - Ele exibia agora um sorriso um tanto melancólico, enquanto bservava os retratos. - São gravuras que fiz das crianças do orfanato, que se foram no incêndio.

-No incêndio... - falou Kevlanan, com cautela para não zangar o homem - é exatamente esse o ponto que gostaria de tratar. Gostaria de saber o que o ocorreu exatamente, se não for um incômodo para o senhor descrever tal situação.

- Bom, eu não aprecio as lembranças, mas elas fazem, inegavelmente, parte de minha vida. - disse o homem, soltando um suspiro de tristeza.

Neste momento, Janet retornou, carregando, em uma bandeja, um bule de cerâmica adornado com desenhos florais e um trio de xícaras. Ela aproximou-se, sevindo chá nas xícaras e entregando uma a seu pai e outra à Kevlanan.

- Era um dia como qualquer outro. Acordamos cedo, as crianças riam e brincavam, como sempre. - Ele não olhava para o halfling enquanto falava, como se estivesse em outro lugar. - Um homem encapuzado chegou para nos visitar. Nós não tínhamos por que recusar. Convidamos ele a comer conosco. Ele sentou-se em nosso jardim e ali ficou, por algum tempo, observando as plantas, enquanto as crianças se juntavam em volta dele, brincando.

A jovem logo sentou-se numa das poltronas também, após servir-se com o chá. Ela parecia ouvir somente, cabisbaixa.

- Ele falava pouco. Disse que não tinha onde passar a noite, mas procuraria o albergue. Nós oferecemos um quarto à ele, já que as crianças pareciam gostar dele. Naquela noite fomos dormir felizes. Acordamos num mar de chamas no meio da noite. Eu e Janet corremos para os quartos das crianças, ouvindo gritos. Sabe, de dor. - A voz do homem ficou um tanto fraca. Ele passou a mão nos olhos, enxugando lágrimas que Kevlanan viu se formarem em seus olhos. - O medo que eles passaram. E não pudemos fazer nada. A casa desabou sobre nós. Acordamos no dia seguinte, salvos pela guarda, pelo capitão Isirtonn. As crianças não tiveram a mesma sorte, o quarto delas ficava no térreo.

Ele depositou a xícara de chá que segurava, da qual sequer bicara uma gota, numa mesa ao lado de sua poltrona, apoiando a face nas mãos.

- Todas. Sabe, aqueles lindos anjos... eram minha vida. E não a minha, a deles. Tão promissores, todos. Se soubesse tudo oque aprendi com aquelas crianças. - A voz dele estava trêmula e saia com dificuldade. - Aquele homem nunca mais foi visto na cidade. O capitão jurou que iria procurar pelo homem e fazê-lo pagar, mas ele provavelmente já se foi da cidade...

Ao olhar ao lado, pôde ver também a jovem Janet derramando lágrimas.

O halfling entendia a dor daquelas pessoas. Ia além disso: ele sentia aquela dor, de perder alguém querido, de ver pessoas inocentes serem mortas sem que ele pudesse fazer nada. Por um momento, sentiu um tremor percorer-lhe o corpo. Então sorveu um pequeno gole do chá e depositou a xícara ao seu lado com as mãos ainda trêmulas, antes de começar a falar lentamente:

-Sinto muito por sua perda, mestre Millow... - Uma pausa - Fico triste em saber que este homem continua livre por ai, cometendo seus atos perversos sem nenhum tipo de justiça. Mas não por muito tempo...

Sua fala parecia tomar-lhe todas as forças que lhe acompanhavam. Então parou novamente, e com um movimento colocou a xícara em mãos, tomando um novo gole antes de continuar, um pouco mais calmo e com a voz mais firme:

- Nosso destinos foram unidos por este homem, mestre Millow. Sou também vítima das atrocidades cometidas, embora carregue marcas menores, mas não menos dolorosas. Porém, jurei que me vingaria, ou que pelo menos morreria tentando - Era possível ver um brilho claro em seus olhos, por baixo dos cabelos que lhe caíam sobre a testa - Permita que eu seja um mecanismo de justiça para os atos que ele lhes causou. A caça a este homem é que me troxe até aqui, e diante do senhor e de sua filha, reitero os votos e os juramentos que fiz em minha terra. Vou até o fim do mundo se for necessário, para fazer esse bastardo pagar pelo que fez...

Então recostou-se na poltrona, esgotado e pensativo, deixando apenas o silêncio pairando sobre eles.

- Me reconforto em saber que há alguém no mundo que também conhece nossa dor, - disse a jovem Janet, olhando honestamente para Kevlanan. - mas não temos muito oque oferecer para ajudar. Não sabemos nada sobre o homem...

- Ele era humano. - disse Paul, lentamente. - Vi seu rosto uma única vez. Era belo, tinha cabelos ruivos por baixo de sua túnica.

A garota ficou quieta, um tanto surpresa.

Kevlanan percebeu o olhar da jovem e retribuiu com um olhar firme, resoluto, digno de um soldado preparado para um missão, apesar de seu pequeno tamanho.

-Humano, rosto belo, cabelo ruivos - repetiu o halfling em voz alta, como quem tentava armazenar na memória - Mais algum detalhe? Por menor que seja, já é mais do que tinha antes de chegar aqui...

- Sua voz... Ele era mudo. - O homem disse. - Creio que isso seja importante.

-Sabe de onde ele veio? Ou algum outro lugar onde posso procurar por pistas?- perguntou-o, buscando mais alguma informação - Se não, acho que podemos terminar este chá, delicioso diga-se de passagem, e então continuarei minha jornada. Agradeço por ter me recebido, e ter me disponibilizado essas informações. Voltarei com as mãos manchadas de sangue, mas vingarei a todos nós. Ou então não voltarei, e saberão que falhei... - completou ele com uma voz um tanto sombria

- Me desculpe, mas não sabemos mais nada além disso. - O homem pareceu um pouco triste. - Mas... se realmente vai caçar este homem, por favor, não jogue fora sua vida pela dele. Não vale a pena... É um fardo pesado demais para uma pessoa só carregar.

Por um momento a confiança do halfling vacilou. Nunca pensara em encontrar seres que não fossem da sua própria raça se preocuparem tanto com ele. E sentiu vontade e voltar para sua casa e desistir de tudo isso. Porém a lembraça do irmã, morto a beira da estrada retornou a sua memória e apagou por um momento o lampejo de fraqueza de sua mente.

-Tentarei me lembrar disso, mestre Millow. Muito obrigado pela sua atenção!

Após terminar o chá e se despedir adequadamente, se tomou a rua rapidamente, andando a esmo até ter vontade de voltar ao alojamento do capitão. Andava aonde seus pés o levavam, apenas refletindo sobre o que o homem havia contado.

Kevlanan estava simplesmente andando pela cidade. Quando deu por si, estava no meio de um mercado ao ar livre, bancas vendiam frutas e outros alimentos da terra, alguns vendiam peixes ou carnes e outros ainda comercializavam tecidos, roupas e alguns até armamentos.

De repente, uma espécie de comoção iniciou-se. Pessoas corriam, fugindo e gritando. Olhou para o ponto de onde fugiam. Havia fumaça subindo aos céus.

Por um momento, ele teve um espasmo e um calafrio. Depois, percebeu onde estava, e o que poderia estar acontecendo. Então correu em direção do incêndio o mais rápido que seu tamanho diminuto permitia, entre a multidão. O arco em já esta em suas mão, e Kevlanan segurava-o com força, tremendo um pouco.