Fazer oque? (Barabbas - Cap. 2)

Ela deu uma risada alta- gargalhava sem nem se conter.

- Parece que você não sabe mesmo o que a família Frederik é. A nossa casa cortou conexões com a cidade há décadas. - Ela deu um sorriso. - É divertido falar com alguém de fora na verdade, já que tenho raras chances de fazê-lo.

Barabbas medita nas palavras da menina, procurando alguma explicação, alguma solução lógica para aquilo. Ele procurou até nos seus conhecimentos sobre filosofia e o car*lho a quatro que estudara no convento. Até mesmo seus conhecimentos sobre religião, mitologia, bruxaria e outras ciências estranhas vieram à mente de Barabbas, para efeito nenhum. Ele simplesmente não sabia explicar a situação estranha na qual se encontrava.

- Entendo. Mas o que você acabou de falar não é uma verdade completa. Eu diria que a sua família não cortou relações com a cidade, mas sim que modificou as relações existentes. Do contrário, vocês não estariam fazendo experimentos.

- Ok, é verdade. - Ela admitiu, receosa. - Tem razão. Nossa relação foi alterada. Mas isso não diz respeito com sua pergunta anterior. Quis dizer somente que minha família tem lar subsistente. Não precisamos de ajuda de fora para viver.

Já seguiam a estrada há algum tempo, se encontravam bem perto da mansão- ela estava numa linha resta- e ficava cada vez mais próxima. Sua exuberância e luxo cada vez mais imponentes, visíveis.

- Pena que vocês não entram em contato com a cidade. Seria ótimo se todas as casas fossem assim, isoladas e auto-suficientes.

Não, Barabbas não era nenhum ativista puritano. Ele apenas percebia que sua vida seria bem mais fácil e divertida se a realidade fosse a descrita por ele. Com casas separadas, ele poderia separar nichos de estudo de vida e morte próprios, sem interferência dos idiotas da polícia.

A despeito da conversação, Barabbas prestava atenção aos detalhes da mansão. Ele já havia visto várias fotografias nos livros e pergaminhos do convento e, talvez, com um pouco de sorte e se a mente dele ajudasse, talvez ele pudesse dizer quando e onde aquela mansão situava-se no tempo. Talvez dizer o estilo arquitetônico ou até mesmo os motivos que levavam os donos de mansão a construírem uma assim. E esses pensamentos o levaram a mais uma intrigante questão.

- A mansão é antiga ... mas as instalações devem ser novas. Alguém reformou. Esse alguém ainda existe?

Conforme o veículo se aproximava da mansão, mais detalhes Barabbas podia notar: A construção em si era antiga- muito antiga. Mas era possível notar que houvera grande restauração recente, principalmente na pintura.

Pelo que via, poderia dividir a mansão em duas partes- a antiga e a nova. Essa divisão teria como base o estilo arquitetônico predominante em cada, uma vez que a antiga esbanjava pesada carga oriunda dos luxuosos castelos da Idade Média; Ao passo que a outra metade, mais recente, era exemplo vívido da moderna arquitetura contemporânea.

- Na verdade, sim. Com seu tempo de sobra, meu pai projetou a metade leste da mansão alguns anos atrás, com a ajuda de uns amigos. Agora, a parte oeste, mais antiga, só foi restaurada- não houve nenhuma mudança na planta baixa nem nada. - Ela dizia, exibindo honesto esforço para lembrar-se de algum detalhe. - Fazemos um trato do encanamento e afins de vez em quando, mas nada muito grande.

- Então seu pai é arquiteto? Achei que ele fosse químico ou bioquímico.

Barabbas tentava compreender aquela família antes mesmo de chegar à mansão. Quanto mais detalhes, menos surpresas.

- E quem mais vive na mansão, além de você, Dahlia, seu irmão Johan, o pinguim Claus e o seu pai, Sr. Frederick?

- Temos uma dúzia de criados também. Meu cão de estimação vive na floresta, mas nunca se afasta muito da mansão. - Ela contava nos dedos, um esforçando-se para lembrar de todos.

- Ah, estamos chegando. - Ela apontou para a frente do carro, e ligou os faróis bem fortes, para que Barabbas pudesse ver mais fundo na noite.

à uma dintância ainda razoável, se encontrava um grande portão de ferro situado ao longo de grandes e pesados muros de tijolos vermelhos. A simetria luxuosa do imenso portão trabalhado; o posicionamento milimetricamente calculado de cada mínimo detalhe, desenho e gravura constituindo uma peça com maior valor artístico do que funcional.

- De fato, cada mínimo detalhe é uma obra de arte a parte, e cada pequena obra de arte faz parte de um todo maior. Uma composição que me faz lembrar dos Portões do Inferno, de Rodin.

Barabbas não prestava atenção apenas nos detalhes inigualáveis do acabamento. Ele também atentava-se ao fato do portão e dos muros serem altos. Altos demais, para falar a verdade. Pular um desses muros não seria tarefa fácil, tanto para entrar, quanto para sair numa possível fuga.

- Se você me permite, eu abro o portão.

Disse, prontificando-se a ajudar. Ao menos dessa forma ele conheceria melhor o mecanismo da principal entrada e saída da casa.

A jovem parou a van à cenrce de vinte metros do portão. Entregou uma chave para Barabbas- era um grande e pesada chave de metal. Metal tão escuro que mais parecia ébano, o homem não pôde discernir que tipo de material era aquele.

Desceu do carro. A madrugada havia ficado um tanto mais amena- ou talvez fosse só no meio daquela floresta. A chuva havia finalmente parado, e um delicioso aroma de mato molhado encheu os pulmões de Barabbas. Andou pelo caminho iluminado somente pelos faróis do veículo até os portões. No ponto mediano do eixo de simetria do portão se encontravam duas fechaduras. Uma mais à esquerda e outra à direita.

Barabbas desce do carro e dirige-se ao portão. No caminho, sente a chave nas mãos, memorizando o toque, o formato da chave. Queria ter certeza de que, num evento futuro, ele não erraria a chave.

Então ele testa a chave em ambas as fechaduras. A que abrisse ele iria empurrar e dar passagem para o carro. Iria então esperar o carro passar completamente, iria fechar os portões e iria retornar ao carro com um sorriso no rosto. Se tudo desse certo, ele teria confirmado que aquele portão era comum, e não cheio de aparatos tecnológicos.

Barabbas insere a chave em uma das fechaduras e a gira- ouve-se estalos de dentro do mecanismo, peças metálicas batendo e, logo metade do portão se solta do lugar, podendo ser facilmente empurrado para trás.

O mesmo ocorre, sem maiores acontecimentos, do outro lado. A van passa pelo portão aberto e para do outro lado, como se esperasse pelo retorno do homem.

Barabbas torna a fechar os portões e vai até o veículo, exibindo um sorriso na face.

- Achei que você ia ficar um pouco confuso com as duas fechaduras. - Ela sorriu de volta. - Todos costumam ficar.

- Acho que eu já provei que não sou como todos ...

Disse Barabbas, sorrindo de volta para a mulher.

- Veja, por exemplo, que eu não morro diante de seu deslumbrante sorriso fatal.

Barabbas sabia mecher com emoções. Ele sabia ler a alma humana e sabia responder o que as pessoas queriam ouvir, mesmo que aquilo não fosse a verdade mais sincera. Mas o que é o mundo senão um grande retalho de meias verdades?

Indiferente ao último cometário de Barabbas, a moça abriu a porta para que este pudesse entrar no veículo.

- Vamos, entre. Vamos parar a van no estacionamento. De lá podemos ir até a mansão. - Ela sorriu novamente, como se fosse um hábito compulsório.

"De fato, existem várias diferenças da garota para o garoto. Será que eles têm ambos o mesmo nível dentro da família?" Barabbas se questionava sobre o que viria. Em todo caso, suas dúvidas seriam parcialmente sanadas em poucos minutos.

Barabbas desce do carro e bate a porta, esperando pelo próximo movimento de Dahlia. Ele não tinha o menor interesse em ir ver quem estava na parte de trás do carro. Afinal, ele iria conhecê-los em breve.

Barbbas ficou parado ao lado da van, a jovem saiu também.

- Vou ajudar meu irmão com os sobreviventes. - Ela sinalizou e foi para trás do veículo.

Assim que a jovem deu um passo, um forte baque veio da parte traseira da van, como se algo tivesse batido com força nas paredes do interior. Assustada, Dahlia correu a até a porta para ver oque estava acontecendo.

Barabbas segue calmamente a mulher, sem se importar com o baque. A julgar pelo que ele já vira do garoto e das histórias que ouvira dos membros daquela família, ele estava pouco se importando se alguém tinha se ferido. Apenas seguia pois a curiosidade em ver o que de fato acontecera era grande. Casualmente, Barabbas mantinha a mão repousada no coldre do revolver, mas aquilo não era sua arma. Sua verdadeira arma era o bisturi cujo cabo ele deslizava entre os dedos.

A jovem abriu a porta traseira da van. No exato instante em que havia espaço o suficiente para um corpo passar, algo voou da escuridão do interior do veículo de encontro com Dahlia.

O repentino golpe atingiu a moça com força, derrubando-a um metro para trás.

- Como...!? - A irmã de Johan parecia indignada e confusa. - Oque aconteceu com meu irmão!?

Barabbas nada fez. A ferocidade do movimento brusco não abalarou sua postura. Barabbas não tinha medo do que quer que seja que tenha saído da Van. Ele tinha apenas curiosidade. Sem alterar sua fisionomia, Barabbas continuava observando como um perfeito espectador. Ele apenas deslocou-se mais para o lado, para aumentar seu campo de visão.

Viu um homem razoavelmente alto, parecia ter uns vinta anos, vestindo roupas casuais. Esse deveria ser quem deu a investida contra Dahlia.

Analisando-o, ele não parecia ser muito forte nem parrudo. Aproveitou-se do estado de insapiência de seu alvo para realizar o golpe. Em outras palavras, era um homem engenhoso, não forte.

"Mas que cérebro interessante esse homem tem! Como será que ele funciona por dentro? Quanto será que pesa? Qual a cor?"

Os pensamentos passavam pela cabeça de Barabbas sem que esse saísse do lugar. Continuava lá, paradão, olhando para o homem que parecia estar desarmado, e para a garota Dahlia, que havia sido arremessada longe. Ficava imaginando-se o que teria acontecido com o jovem Johan. Seria divertido poder 'brincar' com o guri. Se alguém já tivesse matado o garoto, a diversão iria pelo ralo.

Barabbas olha em direção à Van, e depois volta a olhar para o novo homem, esperando o próximo movimento do homem. Para todos os efeitos, Barabbas está simplesmente em pé, sem nenhuma posição de luta ou defesa. Seus braços estão caídos ao lado do corpo e apenas uma das mãos está dentro do bolso, segurando o bisturi.

De repente, antes que o homem pudesse fazer qualquer coisa, um golpe repentino e inesperado atingiu-o na nuca com força, deixando-o descordado.

Johan saiu de dentro da Van, com uma expressão medonha, clara raiva e ódio transbordando de si.

- Esse filho da put@ me deu uma porrada no escuro! Achei que ele tava dormindo, mas o bost@ tava é fingindo! - O moleque deixava claro que, mesmo com todas suas estranhezas, ainda era um só um moleque. Não tinha controle sobre suas emoções nem sobre seu porte.

- Johan! Silêncio! - Bradou Dahlia, enquanto se levantava do chão. - Não se comporte de tal forma, principalmente quando há visitas aqui. Ainda mais sendo ela seu sobrevivente.

O garoto conteve, apesar de a contra-gosto, sua raiva e ódio.

- Ei, você. - Ele apontou para Barabbas. - Venha me ajudar aqui. Leve as duas moças que estão aí dentro, vou levar esse cara.

Então, num ato que algum tempo atrás até poderia surpreender Barabbas, Johan levantou com facilidade o homem desacordado, colocou-o sobre se ombro e começou uma marcha desajeitada (o homem que carregava era duas vezes sua altura) até as portas da mansão.

- Nós já vamos, Johan, espere! - Os dois, embora excêntricos, ainda apresentavam vários traços de pessoas comuns: sua forma de falar, de se tratar. Entre si, principalmente, aqueles dois pareciam manter uma saudável e assaz normal relação fraternal. - Posso levar uma delas, se quiser.

Dahlai fez menção de entrar na van para pegar uma das moças que ali deveriam estar, esperando por uma resposta à sua oferta de ajuda.

Quando Johan sai da Van e acerta a cabeça do homem, Barabbas sorri. Ao menos as coisas voltavam à normalidade. Talvez Barabbas tivesse gostado de ver Johan morto e de uma possibilidade de matar Dahlia, mas as coisas fluiam bem no momento.

- Por um segundo, eu achei que você não era mais você.

Foi o comentário de Barabbas a Johan, enquanto passava pelo garoto e dirigia-se para o fundo da Van. E então, ele completou.

- E eu não sou seu criado. Não me dê ordens. Só vou ajudar por ... interesses próprios.

Nisso, Barabbas completa seu caminho até o fundo da Van para auxiliar Dahlia com o que quer que fosse. Ele carregaria uma mulher. Duas, ele sabia que não era possível. Talvez se ele arrastasse elas pelo pé. Mas era de se pensar que os donos da casa não iriam ficar felizes. Afinal, nem o homem que os atacara estava sendo arrastado ...

O garoto pareceu ignorar o comentário de Barabbas. Na verdade, não se sabia se ele havia sequer escutado-o.

Barabbas olhou para o interior da van. Haviam ali duas mulheres deitadas, inconscientes. Pegou a que estava masi próxima, colocou sobre seu ombro e a levou atrás de Johan. Dahlia, apesar de aparentar ser fraca, colocou a outra moça restante sobre seu ombro do mesmo modo e seguiu Barabbas.

Logo estavam em frente à mansão. Grandes portas de ébano se erguiam à frente deles. Sua altura, assim como os detalhes cravados em sua madeira compartilhavam a mesma majestosidade dos portões de ferro que haviam atravessado minutos atrás.

Johan se aproximou das portas e tocou uma campainha. Logo, a porta foi aberta por dentro por um empregado da casa; ou no mínimo, era oque o homem se deixava parecer.

- Bem vindos de volta. - O homem fez uma mesura. - Vosso pai está esperando os resultados na sala de jantar.

Dito isso, o criado saiu da frente, abrindo mais a porta, possibilitando a passagem de todos.

Barabbas olhou para Johan e para Dahlia e esperou. Ele que não iria ser o primeiro a entrar na casa. Seria muita falta de educação.

Contudo, assim que os dois entrassem, ele os seguiria. Lá dentro, ele continuaria seguindo Dahlia para repousar a mulher junto com a mulher que Dahlia levava. E Barabbas faria isso da forma mais delicada possível.

Barabbas também optou pelo silêncio. Dessa forma, atrairia menos olhos para cima dele, visto que ele percorria com seus olhos todo o caminho pelo qual passava, tentando memorizar a saída. Ele sabia que não seria fácil se achar numa mansão tão grande.

Johan apressou-se a entrar na casa, como se sentisse falta de estar nela. Dahlia foi atrás dele e por último, Barabbas entrou. O criado fechou a porta atrás deste, com um alto estrondo.

Estava num grande, imenso, na verdade, hall de entrada. Um grande lustre dependurado do teto iluminava as paredes da sala, coloridas um branco que tendia mais à um tom salmão, para não machucar os olhos. A escassa mobilía do cômodo só tornava-o maior aos olhos de quem via.

Barabbas começou a desenhar um mapa menta do lugar. Entrara por uma porta ao sul. Haviam duas escadas, um em cada lado da sala, levando à corredores distintos no andar superior. No andar térreo, onde se encontrava agora, haviam três portas, duas menores, que levavam à oeste e a leste, respectivamente, além de uma maior, imponente, que ia direto ao norte.

- Vamos levá-los para um quarto primeiro, vamos encontrar o pai depois. - Johan sugeriu.

- Acho melhor. - Dahlia concordou.

Seguiram para a escada da parede leste.